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Antonio Fonseca – Consultor em sistema de integridade e Compliance, Membro Sênior do MPF

A gestão da ética e da conformidade é feita mediante implantação, manutenção e melhoria constante de um “programa de integridade”. É esta a figura prevista na legislação brasileira correspondente ao “compliance and ethics program” do direito norte-americano (USSG §8B2.1), ou simplesmente programa de Compliance.  As práticas internacionais exigem que a gestão da ética e conformidade seja para valer, isto é, efetiva. O que é um programa ou sistema efetivo?

Efetividade está em oposição à existência formal de um código, procedimentos ou política organizacional. Efetividade exige um genuíno desejo de construir e manter uma cultura de integridade, mediante princípios, diretrizes, regras, processos e procedimentos como ferramentas que funcionem de verdade para prevenir, detectar e reprimir malfeitos.

Efetividade segundo o DOJ/USA

O Guia de avaliação de programa de ética e Compliance do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (US DOJ), de abril de 2019, formula três questões básicas sobre o programa de uma organização privada: 1) está bem estruturado? 2) está sendo aplicado seriamente (para valer), isto é, em boa fé ou efetivamente? Funciona na prática? Cada uma dessas questões é fatiada em tópicos. Ver: https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download. Ao todo são 12 tópicos, cuja consistência poderá ser, na prática, cuidadosamente sindicada por procuradores do Departamento de Justiça.

Efetividade segundo o direito brasileiro

A legislação brasileira prevê que a aplicação do código de ética e conduta seja efetiva e que a pessoa jurídica colabore efetivamente com a investigação de malfeitos (Lei 12.846/13, artigos 7º, VIII, e 16. Dec. 8.420/15, artigos 28 e 41). Importante destacar os 16 parâmetros de avaliação, que começa pelo comprometimento da alta direção e termina com a transparência da pessoa jurídica na doação a candidatos e partidos políticos (este último parâmetro é de relativa importância). Diz o regulamento que na avaliação desses parâmetros “serão considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica”.

Efetividade segundo a CGU

Cabe ao ministro da CGU estabelecer diretrizes para avaliação do programa de integridade (Dec. 8.420, art. 42 § 4º). Com base nessa atribuição, foi expedida a Portaria 909/2015. Esse regulamento exige dois relatórios da empresa: de perfil e de conformidade. O primeiro documento fornece dados sobre a empresa, sua estrutura organizacional, suas interações com a administração pública, o setor em que atua etc.; o segundo fornece dados sobre o programa, isto é, como ele está estruturado e como funciona. Nesses dois documentos a empresa defende a efetividade do seu programa.

Efetividade segundo a autoridade judicial

Existe uma possibilidade legal de a empresa ser responsabilizada judicialmente pelos atos previstos na Lei Anticorrupção, praticados contra a administração pública ou contra o patrimônio público. Na hipótese (art. 20), o juiz aplicará as sanções previstas na mesma lei e avaliará as agravantes e as atenuantes (artigos 6º e 7º). Entre as atenuantes, a autoridade judicial considerará a existência e efetividade de programa de integridade. A avaliação será realizada com auxílio de perito. O laudo deste influenciará a decisão. O perito deverá avaliar segundo a legislação e as boas práticas disponíveis de Compliance e integridade.

Efetividade como observância da ISO 37001

A ISO 37001 é uma norma técnica certificável sobre sistema de gestão anti-suborno. Algumas autoridades estaduais e municipais, que exigem programa de integridade como condição para contratar com a administração pública, declaram se satisfazer com a certificação acreditada do programa, com base na ISO 37001, como prova de efetividade. O programa de integridade de acordo com a referida norma técnica não necessariamente é um programa efetivo, no sentido amplo. A Lei Anticorrupção brasileira considera ilícitos outros atos além do suborno (art. 5º). E a conformidade técnica talvez se restrinja a uma simples satisfação formal.

Conclusão sobre efetividade: someone has to be accountable

Alguém tem que tomar decisão, agir, fazer as coisas acontecerem (get the job done), diz Michael Volkov. Para ele, efetividade também é uma questão de accountability. A mensagem de accountability vem do conselho de diretores, do CEO, do compliance officer, do conselho de ética. Por isso, efetividade tem foco na atuação das pessoas ou agentes. Ver em https://mpfdrive.mpf.mp.br/ssf/s/readFile/folderEntry/28089791/8a5c81445d896694015ed03e5a635f03/1441064352000/last/Compliance%20Program%20Effectiveness%20Requires%20Accountability%20-%20Corruption%2C%20Crime%20%26%20Compliance.pdf.

Acrescente-se, ainda, que atentam contra a efetividade fraquezas do programa de integridade quanto à identificação e gestão dos riscos, treinamento e comunicação, canal de denúncia, investigação interna e aplicação de consequências aos infratores. Para dar conta da cultura da integridade e combater tais fragilidades, todos, do mais alto líder ao mais simples liderado, devem ser vigilantes. Efetividade é expressa, na prática, pelo engajamento de todos, seja numa organização pública ou privada, sem negligenciar a importância dos processos.